A Cada Dia | David Levithan | Opinião

By Vera Carregueira - 19:26

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Aquilo que mais me lembro da enfadonha disciplina de Introdução à Filosofia, que me aborrecia de morte e me dava vontade de saltar pela janela, era de debatermos perguntas tão essenciais como Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? E perceber que muitas vezes as respostas poderiam ser totalmente disparatadas, afinal adolescentes de 15 e 16 anos a discutir o significado da vida logo pela manhã nem sempre resultava em aulas produtivas ou interessantes.

E agora, estarão a pensar: "Mas Vera um livro YA lembra-te questões existênciais?" Bem, fez-me reflectir bastante na primeira questão, já nas outras duas nem por isso, mas tenho todo o gosto em explicar-vos. Quem somos? Somos o conjunto de tudo o vivemos, experienciamos, sentimos, não somos? A nível físico, psicológico, sentimental, familiar. Somos também o reflexo das pessoas que conhecemos, que nos amam e que nos odeiam, somos igualmente aquilo que os outros vêem em nós. Portanto somos corpo e mente e tudo o que ele reflete de nós e em nós. Mas e se não tivessemos corpo? Se a nossa existência fosse saltar de corpo em corpo? Um dia em cada corpo, absorvendo a vida dos outros mas nunca uma vida para nós, nunca tendo uma existência física que deixasse marca na vida dos outros? Se apenas somos uma essência, nem rapaz nem rapariga, nem hetero nem homosexual, e nem transsexual mas ao mesmo tempo fossemos tudo? 

Desculpem-me estar enfadonhamente filosófica mas A, protagonista de A Cada Dia fez-me pensar muito nestas questões, é que A não tem corpo e ao mesmo tempo tem todos os corpos que habita. A já foi rapaz e rapariga, já gostou de pessoas do mesmo sexo e do sexo oposto, já experienciou a vida como transsexual, A tem todas as religiões mas não tem nenhuma pois acredita que são fundamentalmente iguais. Leva uma existência simples e calma pois a cada novo dia acorda no corpo de alguém e não quer que nenhum dos seus actos posso ter repercussões na vida dos jovens que habita. Apenas duas coisas são certas para A nunca habita o mesmo corpo duas vezes e só habita em corpos que tenham a sua idade. Perguntei-me muitas vezes ao longo da narrativa como é que A desenvolveu o seu sentido ético uma vez que tal não lhe foi ensinado, ou foi? Se a cada dia era um bebé, criança, adolescente diferente, acordando em casa e familias diferentes como conseguiu construir e desenvolver a sua moral? Não desenvolveu laços e nunca teve rotinas pois todos os dias tinha de se adaptar a um ambiente diferente. E sendo que o certo e errado é diferente em todas as culturas, em todas as crenças, em todas as familias por isso como construir a sua própria conduta e fazê-lo de forma a parecer tão perfeita?

Porém A é apenas adolescente e as hormonas pode sem dúvida modificar tudo, já que ao acordar no corpo de Justin conhece a namorada dele Rhiannon e a partir daí todas as regras serão quebradas, o respeito pelo corpo alheio termina e A usa-os para seu próprio benefício tirando o melhor partido possível. Mas uma vez que A não tem o seu próprio corpo como podemos nós julgar as suas acções? Não compreendemos a sua ânsia de amor, de ligação?

David Levithan conseguiu de alguma forma dar-me a volta à cabeça durante vários dias com todas estas questões, o livro é muito bonito e a história está espectacularmente bem escrita. Os capítulos estão divididos por dias e são relativamente pequenos e de leitura muito rápida o que faz com que devoremos as páginas a uma velocidade quase assustadora. Fiquei completamente rendida a esta história, a escrita de Levithan é fantástica, muito diferente do que estou acostumada, julgo que em parte seja por ser uma história YA e em parte porque geralmente só leio autoras mulheres por isso nota-se bastante a diferença e foi muito refrescante esta mudança. O segundo livro sai no original no verão e espero que a TopSeller não demore muito para o trazer para cá porque quero mais explicações sobre esta estranha forma de vida. Adorei e fiquei viciada em YA.


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